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Carlos Augusto S. da Fonseca

O Cego de Jericó - Parte 1/2 - Interpretação e Aparentes Contradições

Atualizado: 23 de jan.

Jesus curou um cego na saída de Jericó, conforme narram os Evangelhos de Mateus e Marcos, mas Lucas, ao narrar o mesmo fato, parece dizer que Jesus curou o cego quando se aproximava da cidade, e não quando saía dela. O que aconteceu de fato? Jesus curou o cego quando saía ou quando entrava na cidade de Jericó? Qual é o entendimento correto?

Neste artigo, vamos apresentar as respostas a essas perguntas e destacar a estrutura peculiar do texto de Lucas.


Estes são os três textos paralelos:


Evangelho de Lucas, capítulo 18

35 E aconteceu que chegando ele perto de Jericó, estava um cego assentado junto do caminho, mendigando.

36 E, ouvindo passar a multidão, perguntou que era aquilo.

37 E disseram-lhe que Jesus Nazareno passava.

38 Então clamou, dizendo: Jesus, Filho de Davi, tem misericórdia de mim.

39 E os que iam passando repreendiam-no para que se calasse; mas ele clamava ainda mais: Filho de Davi, tem misericórdia de mim!

40 Então Jesus, parando, mandou que lho trouxessem; e, chegando ele, perguntou-lhe

41 Dizendo: Que queres que te faça? E ele disse: Senhor, que eu veja.

42 E Jesus lhe disse: Vê; a tua fé te salvou.

43 E logo viu, e seguia-o, glorificando a Deus. E todo o povo, vendo isto, dava louvores a Deus.

Lucas 18:35-43


Evangelho de Mateus, capítulo 20

29 E, saindo eles de Jericó, seguiu-o grande multidão.

30 E eis que dois cegos, assentados junto do caminho, ouvindo que Jesus passava, clamaram, dizendo: Senhor, Filho de Davi, tem misericórdia de nós!

31 E a multidão os repreendia, para que se calassem; eles, porém, cada vez clamavam mais, dizendo: Senhor, Filho de Davi, tem misericórdia de nós!

32 E Jesus, parando, chamou-os, e disse: Que quereis que vos faça?

33 Disseram-lhe eles: Senhor, que os nossos olhos sejam abertos.

34 Então Jesus, movido de íntima compaixão, tocou-lhes nos olhos, e logo seus olhos viram; e eles o seguiram.

Mateus 20:29-34


Evangelho de Marcos, capítulo 10

46 E depois, foram para Jericó. E, saindo ele de Jericó com seus discípulos e uma grande multidão, Bartimeu, o cego, filho de Timeu, estava assentado junto do caminho, mendigando.

47 E, ouvindo que era Jesus de Nazaré, começou a clamar, e a dizer: Jesus, filho de Davi, tem misericórdia de mim.

48 E muitos o repreendiam, para que se calasse; mas ele clamava cada vez mais: Filho de Davi! Tem misericórdia de mim.

49 E Jesus, parando, disse que o chamassem; e chamaram o cego, dizendo-lhe: Tem bom ânimo; levanta-te, que ele te chama.

50 E ele, lançando de si a sua capa, levantou-se, e foi ter com Jesus.

51 E Jesus, falando, disse-lhe: Que queres que te faça? E o cego lhe disse: Mestre, que eu tenha vista.

52 E Jesus lhe disse: Vai, a tua fé te salvou. E logo viu, e seguia a Jesus pelo caminho.

Marcos 10:46-52.


Objetivos

O objetivo nesta análise é responder a estas duas questões: (1) quando foi o momento em que Jesus curou o cego e (2) se ele curou um ou dois cegos.

A estrutura do texto de Lucas, nesse caso, é bem peculiar e nos traz uma mensagem espiritual.


I - A Questão do Momento da Cura do Cego de Jericó

Mateus e Marcos focam apenas o momento em que Jesus realizou o milagre quando saía da cidade, mas Lucas conta a história desde o início, quando Jesus se aproximava da cidade (Lucas 18:35) para lá pernoitar (Lucas 19:1,5).

No decorrer da narração, Lucas chega ao momento em que Jesus curou o cego, mas ele não menciona o fato de Jesus estar saindo da cidade naquele momento (Lucas 18:36-43). Depois de falar do milagre do cego, Lucas começa a contar a história de Zaqueu, que se passou quando Jesus estava dentro da cidade.

Quem lê essas duas narrações de Lucas, pensa que ele está dizendo que Jesus fez o milagre antes de entrar na cidade e de se encontrar com Zaqueu. Entretanto, Marcos e Mateus são bem claros e não deixam dúvida de que o Senhor realizou o milagre quando saía de Jericó.


A leitura de Lucas combinada com Mateus e Marcos mostram uma coisa importante para a compreensão da história: o cego estava sentado à beira do caminho tanto na tarde anterior quanto na manhã seguinte, isto é, quando Jesus caminhava para entrar na cidade e também quando saía dela.


Conclusão 1

Podemos então raciocinar desse modo: se (1) Lucas afirma que o cego estava na beira do caminho e clamava quando Jesus se aproximava da cidade e (2) Mateus e Marcos afirmam que Jesus, ouvindo o clamor do cego quando saía da cidade, o curou, então, por raciocínio lógico*, podemos concluir que Jesus entrou na cidade mas não respondeu ao cego, mesmo ele clamando, mas na manhã seguinte, quando saía da cidade, ele atendeu ao clamor e realizou o milagre (Mateus 20:29-34 e Marcos 10:46-52).


*Sobre o uso do raciocínio lógico, veja explanação no tópico IV - Conclusão, mais abaixo.


Conclusão 2

A segunda conclusão é que Lucas não se preocupou em descrever os detalhes, a saber: que Jesus não atendeu ao cego no início e que só o atendeu na manhã seguinte, diante da sua perseverança.


II - A Estrutura do Discurso no Relato de Lucas

A história escrita por Lucas é uma só, mas o seu conteúdo é composto de duas partes, uma relativa ao dia anterior e outra relativa ao dia seguinte. Então a sua narração poderia ser escrita assim (observe que os fatos registrados nos versículos 36 a 38 se repetem no dia seguinte):


No dia anterior - Lucas 18:35-38

35 E aconteceu que chegando ele perto de Jericó, estava um cego assentado junto do caminho, mendigando. 36 E, ouvindo passar a multidão, perguntou que era aquilo. 37 E disseram-lhe que Jesus Nazareno passava. 38 Então clamou, dizendo: Jesus, Filho de Davi, tem misericórdia de mim.

Na manhã seguinte - Lucas 18:36-43

36 E, ouvindo passar a multidão, perguntou que era aquilo. 37 E disseram-lhe que Jesus Nazareno passava. 38 Então clamou, dizendo: Jesus, Filho de Davi, tem misericórdia de mim. 39 E os que iam passando repreendiam-no para que se calasse; mas ele clamava ainda mais: Filho de Davi, tem misericórdia de mim! 40 Então Jesus, parando, mandou que lho trouxessem; e, chegando ele, perguntou-lhe 41 Dizendo: Que queres que te faça? E ele disse: Senhor, que eu veja. 42 E Jesus lhe disse: Vê; a tua fé te salvou. 43 E logo viu, e seguia-o, glorificando a Deus. E todo o povo, vendo isto, dava louvores a Deus.


Portanto, Lucas juntou em um só texto as duas partes da história do cego de Jericó (Lucas 18:35-43). Quanto à parte que ficava entre aquelas duas, isto é, a pousada na casa de Zaqueu, dentro da cidade, ele narrou separadamente (Lucas 19:1-27).


Veja no quadro abaixo como Lucas estruturou o discurso no seu relato, em comparação à sequência cronológica dos eventos.






O foco dos evangelistas

Os escritores tiveram focos diferentes nas suas narrações. Mateus e Marcos focaram o ato da cura, que aconteceu na saída da cidade. Lucas, por sua vez, focou a pessoa do cego e registrou por inteiro aquela obra de Jesus na vida dele.

Portanto, o objetivo de Lucas não foi fazer uma narração em ordem cronológica dos fatos, mas sim registrar a obra de Deus na vida do cego.


III - A Questão do Número de Cegos Curados

Mateus escreveu que havia dois cegos que foram curados por Jesus - Mateus 20:30-34, mas isso não significa que haja contradição em relação aos relatos de Marcos e Lucas.

Cada escritor teve uma razão para focar em um personagem em especial ou para relatar a história de maneira generalizada. O fato de Lucas ou Marcos focarem em apenas um dos cegos na narração não significa que não teria havido dois cegos – ao mencionarem apenas um dos cegos, há uma indicação de que um deles chamou mais a atenção e mereceu destaque.


Os dois cegos receberam a compaixão e o milagre do Senhor, mas podemos entender que um deles foi o que clamava desde a tarde anterior, e que o outro somente apareceu em cena no dia seguinte, provavelmente por convite e encorajamento pelo primeiro cego.


A Visão de Marcos

Marcos identificou um dos cegos pelo nome: Bartimeu, filho de Timeu - Marcos 10:46. Essa abordagem indica que provavelmente Bartimeu, depois de curado, tenha se tornado um discípulo ativo de Jesus, cujo nome se tornou conhecido entre os irmãos. A obra especial de Jesus na sua vida foi, portanto, digna de ser lembrada no Evangelho de Jesus Cristo pelas mãos do escritor Marcos.


A Visão de Lucas

Enquanto Marcos destacou um dos cegos pelo que aconteceu depois da cura, como mencionado acima, Lucas foi tocado pelo que aconteceu antes da cura: a perseverança do cego até o momento em que recebeu do Senhor o milagre.

A visão de Lucas era o resgate do pecador por Cristo e a sua inclusão no reino de Deus pela transformação em uma nova criatura. O texto áureo do Evangelho de Lucas é o que resume a sua visão:

  • Porque o Filho do homem veio buscar e salvar o que se havia perdido. Lucas 19:10.


O Outro Cego

Se os dois cegos tivessem também estado na entrada da cidade quando Jesus se aproximava, Lucas certamente os teria mencionado. A ausência do segundo cego em Lucas demonstra que ele somente apareceu no dia seguinte.

É possível que Bartimeu fosse o segundo homem curado, porém, é mais provável que ele tenha sido o primeiro cego, aquele que clamou com insistência desde o dia anterior e que foi registrado por Lucas, o que justificaria o seu registro por dois evangelistas.

O cego não mencionado por Marcos provavelmente não veio a se destacar na fé, embora tenha sido também contemplado pela compaixão do Senhor. Sabemos que muitos receberam o milagre, mas nem todos retornaram para dar glória a Deus; e que muitos perseveraram, mas também muitos desistiram da caminhada.


IV - Conclusão

Interpretação com Base na Coesão do Texto e na Veracidade das Escrituras

A Bíblia não se contradiz, pois o seu autor é Deus; foi escrita por homens santos inspirados pelo Espírito Santo de Deus.

Apesar de os três textos acima terem sido escritos por pessoas diferentes, em tempos diferentes, eles se complementam. Primeiro, porque se trata de narrações do mesmo fato verdadeiro, porém visto de ângulos diferentes. Segundo, porque a Bíblia é um livro só, formado por sessenta e seis livros perfeitamente coesos e coerentes em sua mensagem. Devemos primeiramente ter isso em mente, para não errarmos na interpretação.


As Escrituras são inspiradas por Deus; as informações de Mateus, Marcos e Lucas são verdadeiras. Portanto, com base nessas nessas informações, podemos usar o raciocínio lógico para chegar a conclusões verdadeiras. Assim, com o cruzamento das informações daqueles três evangelistas, não resta margem para outras interpretações além da que foi realizada até aqui, a não ser que se negue a informação de algum deles.


Assim, o cruzamento das informações das três narrações foi suficiente para interpretar o texto. Entretanto, podemos ir mais adiante e comparar o texto de Lucas com outros textos semelhantes, o que enriquecerá a interpretação. É o uso da analogia na interpretação.

Isso será feito na parte 2 deste artigo.


V - Aplicação

Bartimeu e sua fé cristã

Quanto a Bartimeu, considerando que ele tenha sido o mesmo cego que clamou a Jesus no dia anterior, podemos dizer que a obra de Deus na sua vida foi notável, a ponto de Lucas relatá-la por inteiro, e que o seu testemunho e fé deram frutos, a ponto de o seu nome ter-se tornado conhecido entre os discípulos e ter sido lembrado no Evangelho de Marcos.


A Perseverança e Confiança em Deus

Diante de todas as dificuldades, o cego não desistiu de clamar ao Senhor. Ele clamou quando Jesus chegava à cidade e clamou no dia seguinte, quando Jesus saía da cidade. É interessante que no mesmo texto do capítulo 18, Lucas incluiu uma parábola de Jesus sobre a perseverança na oração (Lucas 18:1-8).


O Senhor não atendeu ao clamor do cego no dia anterior, porém Lucas não viu nisso uma interrupção no processo do milagre, mas viu tudo como uma coisa só: a operação de Deus na vida do cego. Assim ele fez um registro só, composto por clamores ao Senhor e resposta de Jesus.

Ele também não priorizou os momentos difíceis por que passou o cego, mas focou na resposta de Jesus ao seu clamor.


Tudo estava sob o controle de Deus. Jesus não desprezou os primeiros clamores do cego, mas Deus já agia na sua vida desde antes. As dificuldades levaram-no a orar mais. A sua fé foi provada e ele recebeu a resposta de Deus no dia seguinte:


  • Jesus lhe disse: Vê; a tua fé te salvou. E logo viu, e seguia-o, glorificando a Deus. E todo o povo, vendo isto, dava louvores a Deus. Lucas 18:42,43


Da mesma forma Deus opera em nossas vidas. Ele está no controle.

Ele tem um tempo certo para cada coisa e o que ele tem para nós é sempre melhor do aquilo que imaginamos ou buscamos.

Basta entregar-lhe tudo e nele descansar; confiar nele e persistir em oração.


 

BIBLIOGRAFIA


BIBLIA ONLINE. Bíblia em Português versão Almeida Corrigida e Fiel, disponível em: <https://www.bibliaonline.com.br/acf>. Acesso em 7 de dez. de 2024.


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